O uso de plataformas como Leetcode, HackerRank e outros sites de codificação, assim como a prática de aplicar puzzles lógicos durante entrevistas técnicas, tem sido uma prática comum em muitos processos seletivos para desenvolvedores. No entanto, essa abordagem é, na maioria das vezes, ineficaz para avaliar a verdadeira capacidade de um candidato, seja ele júnior ou sênior. Isso se deve a uma série de fatores, que vão desde a falta de correlação com o trabalho real até a criação de um ambiente artificial que não reflete as necessidades do dia a dia de um desenvolvedor.
1. Falta de correlação com as demandas do trabalho diário
A principal crítica às entrevistas técnicas baseadas em Leetcode, HackerRank e puzzles lógicos é a falta de conexão com o trabalho real de um desenvolvedor. O desenvolvimento de software no dia a dia exige habilidades que vão além de resolver algoritmos complexos em um tempo limitado. Na prática, um desenvolvedor precisa ser capaz de trabalhar com sistemas já existentes, entender requisitos de negócio, colaborar com outras áreas, lidar com bugs e otimizar soluções para garantir manutenção e escalabilidade.
Embora algoritmos sejam uma parte importante do desenvolvimento de software, especialmente em áreas como inteligência artificial, sistemas distribuídos e bancos de dados, a maioria das tarefas diárias de um desenvolvedor não envolve a resolução de problemas altamente especializados ou matematicamente complexos. Na maioria das empresas, os desenvolvedores precisam aplicar conceitos básicos de estruturas de dados e algoritmos para resolver problemas de forma prática e eficiente, o que pode ser bem distante dos desafios encontrados em puzzles como os de Leetcode.
2. Enfatiza habilidades de memória e rapidez em vez de resolução de problemas práticos
Outra crítica às entrevistas técnicas de codificação é que elas muitas vezes priorizam a velocidade e a memorização de soluções específicas, em vez de avaliar a habilidade do candidato para resolver problemas de forma eficaz. Os testes em plataformas como Leetcode frequentemente exigem que o candidato memorize algoritmos específicos e saiba implementá-los rapidamente sob pressão. Isso pode ser uma habilidade valiosa em situações específicas, mas raramente é uma competência que um desenvolvedor precisa no ambiente de trabalho.
No cotidiano do desenvolvimento de software, a resolução de problemas envolve uma série de etapas que não são capturadas nesses testes, como a compreensão do problema, o planejamento da solução, a escolha das ferramentas adequadas e a validação do código com testes. Além disso, é comum que desenvolvedores recorram à documentação, busquem soluções em fóruns de discussão ou colaborem com colegas para resolver problemas, algo que não é permitido ou encorajado nas entrevistas tradicionais de código.
3. Pressiona os candidatos a performar sob condições irreais
As entrevistas técnicas em Leetcode e HackerRank frequentemente exigem que o candidato resolva um problema em um tempo limitado, geralmente em menos de uma hora. Isso coloca os candidatos sob extrema pressão e limita a sua capacidade de demonstrar sua verdadeira habilidade como desenvolvedor. Um desenvolvedor júnior, por exemplo, pode ser mais lento para encontrar uma solução eficiente, mas ainda assim ser capaz de desenvolver soluções funcionais e de alta qualidade ao longo do tempo, em um ambiente colaborativo e mais relaxado. Para candidatos seniores, a capacidade de fazer trade-offs, lidar com múltiplos requisitos e compreender o impacto de suas decisões em sistemas maiores é mais importante do que encontrar a solução mais rápida para um problema isolado.
Além disso, a pressão do tempo muitas vezes impede que o candidato tenha uma visão mais ampla sobre o problema, algo fundamental para um desenvolvedor de qualidade. Em situações de desenvolvimento real, os problemas geralmente são mais complexos, mas são resolvidos ao longo do tempo e com reflexão, ao invés de em uma corrida contra o relógio.
4. Exclui candidatos talentosos que não se adaptam bem a esse formato
Nem todos os bons desenvolvedores são igualmente bons em resolver problemas em plataformas de codificação. Alguns candidatos podem ser excepcionalmente talentosos, mas não se saem bem em resolver algoritmos complicados sob pressão ou se sentem desconfortáveis com a prática de codificação em ambientes isolados. A ênfase nesses testes pode excluir bons desenvolvedores que poderiam ser excelentes para a equipe, mas que não se destacam nesses formatos de entrevista.
Além disso, os puzzles e algoritmos são, na maior parte, orientados a problemas teóricos e abstratos. Isso significa que eles podem favorecer candidatos com mais experiência em resolver esse tipo de desafio, enquanto desconsideram aqueles com habilidades práticas e mais próximas do que será exigido no trabalho real, como o design de sistemas, a criação de arquiteturas escaláveis e a colaboração em equipe.
5. Falta de foco em competências essenciais para desenvolvedores
No trabalho real, especialmente em equipes ágeis, habilidades como comunicação, trabalho em equipe, capacidade de aprender e adaptar-se rapidamente, além de entender as necessidades do usuário, são essenciais. No entanto, esses aspectos dificilmente são avaliados em uma entrevista técnica baseada em algoritmos ou puzzles. A capacidade de um desenvolvedor de se comunicar de forma clara, documentar seu código, fazer uma análise crítica de soluções e colaborar efetivamente com colegas são muito mais indicativas de sucesso a longo prazo do que a habilidade de resolver um problema de Leetcode em 30 minutos.
Além disso, a escolha das ferramentas adequadas e o entendimento do contexto do projeto são habilidades cruciais. Um desenvolvedor sênior, por exemplo, deve ser capaz de avaliar qual ferramenta ou framework é mais adequado para a solução de um problema específico, enquanto um desenvolvedor júnior pode precisar de tempo para aprender e se adaptar. Essas habilidades não são facilmente avaliadas através de puzzles matemáticos ou algoritmos.
6. Soluções alternativas: Entrevistas mais realistas e focadas no trabalho
Uma solução mais eficaz seria adotar entrevistas que simulem problemas reais enfrentados pela empresa. Isso poderia incluir uma análise de código existente, onde o candidato deve entender e melhorar uma solução, ou uma tarefa prática em que ele deve desenvolver uma solução para um problema que a empresa está enfrentando. Essas entrevistas podem avaliar melhor as habilidades práticas do candidato e a sua capacidade de trabalhar em equipe e entender requisitos complexos.
Além disso, entrevistas que se concentram em perguntas comportamentais, situações de resolução de conflitos e como o candidato abordaria situações do dia a dia do trabalho podem ser mais eficazes para determinar se ele se encaixa na equipe e na cultura da empresa.
Conclusão
Embora plataformas como Leetcode e HackerRank possam ser úteis para testar conhecimentos específicos de algoritmos e estruturas de dados, elas falham em capturar as habilidades e competências que realmente importam no trabalho diário de um desenvolvedor. O desenvolvimento de software envolve mais do que a resolução rápida de problemas matemáticos; trata-se de criatividade, colaboração, entendimento de problemas do mundo real e entrega de soluções eficazes e de qualidade. Portanto, adotar uma abordagem de entrevista técnica mais holística e realista é fundamental para garantir que as empresas contratem desenvolvedores que possam realmente agregar valor aos seus projetos e equipes.